O que o governo precisa anunciar no pacote de corte de gastos para acalmar o mercado? Entenda – Estadão
- Na Mídia
- 13/11/2024
- Tendências
Avaliação é de que seria necessário colocar de pé medidas que representem uma economia estrutural significativa; mas há dúvidas sobre a viabilidade política dos cortes
Nas últimas semanas, o mercado e os analistas monitoram cada passo do governo em busca de pistas sobre o pacote de corte de gastos que será anunciado para as contas públicas. A leitura é a de que a equipe econômica precisa colocar de pé medidas que sejam capazes de representar uma economia extra de mais de R$ 30 bilhões para reduzir o risco fiscal enfrentado pela economia brasileira.
São esses cerca de R$ 30 bilhões, somados aos R$ 25,9 bilhões já anunciados em corte de gastos no Orçamento de 2025, que darão um fôlego para o arcabouço fiscal continuar operando até 2026, pelo menos, quando se encerra a atual administração.
“O governo precisa apresentar um pacote de medidas que traga uma economia, entre 2025 e 2026, superior a R$ 30 bilhões”, afirma João Pedro Leme, analista da Tendências Consultoria. “O foco desse pacote parece ser garantir a existência do arcabouço fiscal até 2026.”
Criado no ano passado em substituição ao teto de gastos, o arcabouço fiscal ficou com sua sustentação comprometida com o crescimento acelerado das despesas obrigatórias, que estão comprimindo o espaço dos gastos discricionários (os que o governo pode remanejar) e caminham para comprometer a capacidade de manutenção e custeio do governo.
“O arcabouço não tem gatilhos suficientes para conter uma expansão maior dos gastos”, diz Rafaela Vitória, economista-chefe do banco Inter. “O que a gente espera é que esse pacote traga uma previsibilidade de que os gastos vão crescer dentro do limite do arcabouço.”
Medidas em estudo
Como mostrou o Estadão, por ora, são várias as medidas em análise pelo governo, como alterações no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), nas regras para o recebimento do abono salarial (um benefício que garante o pagamento de até um salário mínimo por ano a quem tem salário de até dois mínimos), do seguro-desemprego e também do Benefício de Prestação Continuada (BPC, que garante o pagamento de um salário mínimo a idosos e portadores de deficiência que não têm condições de se aposentar).
Há ainda a possibilidade de limitar o crescimento de despesas obrigatórias, como é o caso do salário mínimo, ao teto de 2,5% do arcabouço fiscal.
Num relatório publicado na semana passada, o banco Itaú estima que o pacote fiscal precisa garantir um ajuste de R$ 35 bilhões, além, claro, do corte já anunciado para 2025.
“Para 2026, é necessário ajuste adicional de ao menos R$ 35 bilhões, de modo que consideramos este o valor mínimo necessário para o pacote de revisão de gastos ter sucesso em obter alguma redução da percepção de risco fiscal”, escreveu o Itaú no relatório.
Nos exercícios realizados pelo banco, por exemplo, uma diminuição em 50% no abono salarial poderia trazer uma economia de R$ 15 bilhões. O Itaú também mostrou que o governo conseguiria abrir um espaço de R$ 17 bilhões se conseguir ampliar de 30% para 60% os recursos destinados para o Fundeb considerados para o limite mínimo de educação.
Longa negociação
Na terceira semana de negociação, as idas e vindas do governo em relação ao pacote de gastos têm mexido bastante com o humor dos investidores. Com um cenário externo mais difícil depois da eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, as incertezas com o rumo das contas públicas levaram o dólar a superar o patamar de R$ 5,85.
Hoje, os investidores têm uma grande incerteza com o rumo das contas públicas brasileiras. O Brasil é um país com uma dívida elevada para uma economia emergente e precisa voltar a colher superávits primários. Ou seja, fazer com que as receitas superem as despesas, sem levar em conta o pagamento de juros.
Desde o início do mandato, o governo tem buscado ajustar as contas públicas via aumento da receita. Mas a leitura é que esse mecanismo se esgotou, avaliam os analistas que se debruçam sobre o rumo das contas públicas do Brasil. Agora, será preciso cortar gastos.
Em 2024 e 2025, a equipe econômica promete entregar uma meta zero de resultado primário. Em 2026, no último do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a promessa é de um resultado positivo de 0,25% do PIB.
“Pessoalmente, eu acho que, independentemente, do que o governo venha a anunciar, vai existir um certo desânimo”, diz Leme. “Quando a gente olha os analistas fiscais, fazendo análise de conjuntura, normalmente se diz que precisa cortar despesa, fazer reforma na Previdência, ajustar o BPC à nova realidade de fatores demográficos. Tudo isso é muito bom, e eu não discordo dessa análise. Só que não necessariamente isso é politicamente viável, seja por uma restrição trazida pelo governo, seja por uma restrição externa.”
Nesse processo de ajuste, a ala econômica do governo tem encontrado resistência dentro do próprio PT para levar o plano adiante, e o Congresso também, por vezes, acaba patrocinando medidas de aumento de gastos, como é o caso do aval que tem dado para o uso de fundos públicos para não esbarrar nas limitações do arcabouço fiscal.
Os economistas também chamam a atenção para o fato de que as medidas em análise não solucionam o impasse fiscal brasileiro e que reformas estruturais só devem ficar para o próximo governo, quando há mais capital político. No cenário de hoje, o País só vai conseguir estancar o seu endividamento crescente se alcançar um superávit primário de 1,5% do PIB.
“Temos a volta do superávit apenas a partir de 2028 e vemos a dívida bruta chegando a 89% do PIB em 2030 e estabilizando a partir daí”, afirma Rafaela.
“Para chegar no superávit, precisamos voltar com a regra que tivemos na vigência do teto de gastos. Uma delas é a desvinculação do crescimento das despesas vinculadas à receita nos casos de educação e saúde. E um outro ponto é o reajuste real do salário mínimo, que hoje indexa os benefícios sociais. É possível manter uma política de valorização do salário mínimo, mas para os funcionários que estão na ativa, não para pensionistas e benefícios sociais. Hoje, claramente, não cabe no nosso orçamento esse tipo de aumento real de programas sociais que temos”, acrescenta a economista.
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