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PL para dívidas estaduais traz risco de calote disfarçado – O Globo

Texto aprovado pelo Senado é mais benevolente que versão original. Câmara precisa promover ajustes

O Senado aprovou na semana passada por ampla maioria (70 votos a 2) um Projeto de Lei Complementar (PLP) com novas regras para a renegociação das dívidas estaduais. O PLP cria o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), que estabelece parâmetros para reduzir a taxa de juros, hoje em 4%. O texto aprovado pelo plenário é mais benevolente com os estados do que a versão original, de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A Câmara precisa promover ajustes para tornar mais razoáveis os critérios de renegociação.

Em dezembro, o endividamento estadual somava R$ 852 bilhões, mais de 90% concentrado em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul — os três últimos integram o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), cujas condições, argumentam, tornam a dívida impagável. A renegociação estipulada pelo PLP prevê pagamento em 30 anos, com possibilidade de abatimento dos juros. Em troca da redução na taxa, os estados poderão oferecer ativos — como estatais, imóveis ou créditos —, destinar o dinheiro a investimentos no próprio estado ou a um novo fundo, batizado Fundo de Equalização Federal, usado em benefício de todos os estados (artifício criado para atender também àqueles que não enfrentam problemas financeiros).

Se um estado oferecer ativos que representem 10% da dívida, poderá obter abatimento de 1 ponto percentual na taxa de juros. Se oferecer ativos equivalentes a 20%, a redução sobe a 2 pontos percentuais. Em ambas as situações, o restante dos juros poderá ser totalmente destinado a investimentos e ao novo fundo equalizador. Na prática, o estado poderá pagar ao Tesouro apenas a correção monetária.

Esse mecanismo engenhoso embute pelo menos dois problemas. O primeiro estava evidente desde o início, já no texto elaborado por Pacheco: sem uma avaliação profissional dos ativos estaduais, o risco é a União ficar com empresas inviáveis, sem poder privatizá-las para recuperar ao menos parte dos recursos — conta remetida aos contribuintes sem qualquer abatimento. O PLP nada garante a respeito da exclusão dos ativos duvidosos, portanto, nas palavras do economista Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria, acaba “empurrando um problema” à União. “A União vai acabar arcando com a diferença entre o custo efetivo de financiamento no mercado e a correção [monetária, cobrada dos estados], aumentando a dívida pública”, diz ele.

O segundo problema está no formato do ajuste fiscal exigido dos estados como contrapartida ao corte nos juros. O teto de gastos estaduais será corrigido não apenas pela inflação, mas também pelo aumento da receita. E não abrangerá despesas com saúde e educação, que consomem boa parte dos orçamentos. Outra bondade é que será adotado em 2025, com base nas despesas de 2024, um incentivo a que os governos abram os cofres até dezembro, para poderem gastar mais depois.

A experiência do RRF e de programas anteriores mostra que a tendência dos estados é tentar obter o máximo de apoio da União com o mínimo de concessões em matéria de enxugamento de despesas ou de reformas administrativas que moderem o peso da folha salarial. Cabe agora à Câmara fazer as correções necessárias no texto aprovado pelo Senado, de modo a torná-lo equilibrado e a evitar que se torne apenas um calote disfarçado.

Reprodução. Confira o original clicando aqui!