Saiba o que rolou na nossa live exclusiva sobre eleições nos EUA e os impactos para o Brasil
- Macroeconomia e política
- 13/08/2024
- Tendências
A eleição presidencial norte-americana deste ano deve encontrar lugar entre as mais marcantes na história dos Estados Unidos. A tentativa de assassinato do ex-presidente Donald Trump e a crescente pressão que culminou na desistência do presidente Joe Biden à candidatura democrata reforçaram as incertezas relativas ao resultado da competição, a despeito do favoritismo de Trump nas pesquisas.
Para analisar o cenário eleitoral nos Estados Unidos, os possíveis efeitos do seu resultado nas políticas econômica e externa do país e os consequentes impactos para o Brasil, a Tendências realizou uma live exclusiva para clientes no dia 31 de julho de 2024.
Participaram da apresentação Alessandra Ribeiro, Diretora de Macroeconomia e Análise Setorial da Tendências, Rafael Cortez, sócio e responsável pela análise de risco político da Tendências, e Silvio Campos Neto, sócio e responsável pelo acompanhamento da economia internacional na Tendências.
Impacto global das eleições dos EUA
No que se refere à mudança na candidatura do partido Democrata, com Kamala Harris assumindo o lugar de Joe Biden, isso abre espaço para que a campanha explore a rejeição de Trump.
Entretanto, segundo Rafael Cortez, independentemente da vitória de Trump ou de Harris, é importante se atentar a qual partido irá comandar as casas legislativas.
Ele também aponta que, em linhas gerais, trata-se de um cenário que tende a ser muito difícil para a economia internacional e, portanto, para países emergentes e o Brasil, em particular.
“Acho que vale a pena ter em mente que, independentemente da vitória na eleição presidencial, é um cenário difícil do ponto de vista da gestão da economia nos países avançados, na coordenação entre as grandes potências. Ainda enxergamos um período longo de força política para grupos mais nacionalistas, seja nos Estados Unidos, seja em outras partes do mundo”, explica Cortez.
Até o momento, Trump lidera as pesquisas, mas com uma rejeição média ao seu nome, o que é uma situação bastante particular e fruto da polarização muito consolidada nos EUA.
Republicanos x Democratas
A Tendências Consultoria ainda trabalha com o favoritismo de Trump, mesmo considerando a mudança de candidatura. Na verdade, isso trouxe de volta uma percepção de chance eleitoral dos Democratas, algo que parecia ter ficado de lado até então.
A impopularidade de Biden é bastante significativa e consolidada. Há uma rejeição ao seu governo pela maioria do eleitorado, mesmo em um cenário de relativo bom desempenho da economia norte-americana.
Indicadores tradicionais de atividade econômica e de mercado de trabalho, que costumam ser canais muito eficientes de transmissão do cenário econômico para o mundo da política, não estão se materializando durante o governo Biden. Ou seja, não é propriamente um problema econômico que está por trás dessa rejeição ao atual presidente.
Obviamente, é esperado um cenário mais barulhento em caso de vitória de Trump, já que isso significará uma mudança no status quo. Sua campanha tem uma retórica pesada com relação a alterações nas políticas externa e econômica, de modo que, se eventualmente os Republicanos controlarem as duas casas legislativas, será o caso de um governo com mais poder político. Devem haver políticas nacionalistas, de protecionismo econômico e cortes de receita, como incentivos tributários mais agressivos, com impactos sobre os juros e outras questões.
Com relação ao conflito entre China e Estados Unidos, a retórica do Trump é mais pesada, seu estilo de negociação é mais contundente. Espera-se menos negociação e mais uso de força econômica e militar:
“Então, a gente espera questões mais delicadas, ainda que não mudem a direção. Não estamos falando que o mundo com Kamala Harris governando será suave entre China e Estados Unidos. Esse é um problema que se tornou bipartidário. Todo mundo se volta contra a rivalidade com a China. Todos os documentos de segurança nacional, por exemplo, mencionam a ameaça chinesa como uma condicionante do comportamento americano. Isso vai continuar, mas é uma questão da forma como o Trump deve implementar algumas dessas políticas”, explica Cortez.
Cortez acrescenta ainda que a posição de Trump com relação à OTAN é clara. Biden e sua administração ampliaram a OTAN, convidaram Finlândia e Suécia para fazerem parte da organização de segurança, ou seja, estão “provocando” a Rússia, apostando nessa parceria entre Europa e Estados Unidos. Trump, por outro lado, ameaça sair da OTAN, diz que não vai pagar os custos dessa guerra e que vai sentar para negociar com a Rússia.
Com relação ao Oriente Médio, Cortez diz que a tendência é que Trump reforce o apoio à estratégia de Israel na região, polarizando contra o Irã e o chamado “eixo da resistência”. Assim, a tendência é de demora e uma chance maior de agravamento do cenário para o Oriente Médio, onde a negociação já está difícil. A posição de Israel e dos Estados Unidos nos fóruns internacionais está ficando minoritária e tende a ficar ainda mais, pois Trump deve acirrar sua postura de política externa.
Cortez ressalta que uma das questões que esperamos para os emergentes e para o Brasil é que, sob Trump, o mundo tenha mais “cara de Guerra Fria”. Apesar do termo ser um pouco exagerado, é uma forma de ilustrar a ideia de uma grande competição entre potências, com os Estados Unidos de um lado e um consórcio entre China e Rússia do outro.
No passado, China e Rússia não eram tão unidos, mas agora, sob a contestação da hegemonia norte-americana, têm se aproximado. Os emergentes terão que escolher cada vez mais de que lado vão ficar.
O Brasil, que tem a pretensão de jogar nos dois campos, tentando se tornar um ator relevante, terá mais dificuldade no caso de vitória de Trump. A América Latina está mudando do ponto de vista político, e a relação bilateral com os Estados Unidos tende a ficar mais difícil. Portanto, a expectativa para o nosso país nesse caso é de um cenário mais complicado, com repercussões importantes.
Impactos econômicos das eleições nos EUA
Segundo Silvio Campos Neto, as implicações fiscais das eleições e temas ligados ao comércio exterior têm estado muito presentes no debate, particularmente aqui no Brasil. No entanto, é importante destacar que, nos Estados Unidos, o cenário fiscal também é bastante desafiador para os próximos anos.
“Quando analisamos não só os números correntes, mas também as projeções, os dados do CBO, o escritório de orçamento do Congresso, que faz projeções periódicas para um horizonte de médio a longo prazo, observamos uma perspectiva de aumento importante no endividamento do país”, explica ele.
A relação dívida/PIB, que hoje está ao redor de 100%, tem a projeção de migrar para acima de 120% nos próximos 10 anos. Quando olhamos as projeções de déficit, os números atuais estão próximos a 7% do PIB, e essa é a expectativa para os próximos anos: um déficit bastante elevado e cada vez mais influenciado pelas altas taxas de juros no país.
Ainda falando da questão fiscal, é importante destacar que o próximo mandato, seja qual for, se defrontará com as decisões tomadas por Trump em sua primeira administração, de cortes de impostos, que expirarão em 2025. Campos Neto considera este um nó importante a ser desatado, considerando que tais medidas irão expirar já no próximo ano. Se os cortes de impostos fossem totalmente renovados, haveria um aumento estimado de US$ 4,6 trilhões no déficit nos próximos 10 anos, o que pioraria ainda mais um cenário que já é bastante delicado.
Campos Neto reforça as falas de Cortez no que se refere às questões comerciais. Essa relação entre Estados Unidos e China é uma realidade que vale para qualquer um dos governos, embora existam diferenças em termos de condução desse processo.
“Esse é um tema importante para termos em mente nos próximos anos. Um mundo mais protecionista traz implicações diversas do ponto de vista econômico, geopolítico, de eficiência econômica e inflacionária. São várias as implicações que devemos considerar”, explica ele.
Campos Neto pontua que, mesmo que o Brasil não tenha sido o foco do governo Trump, algumas medidas nos afetam em setores específicos, principalmente nos segmentos de aço e alumínio, por sermos importantes importadores desses produtos.
Também podemos sofrer retaliações políticas, a depender dos resultados das eleições norte-americanas.
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