A PEC que prevê autonomia financeira ao Banco Central deve ser aprovada? – Folha de São Paulo
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- 12/08/2024
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Orçamento e fiscalização de atividades continuariam sob a alçada do Estado
Por Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda (1988-1990, governo Sarney) e sócio da Tendências Consultoria
Tramita no Congresso proposta de emenda constitucional (PEC 65/2003) que visa conceder autonomia orçamentária e financeira ao Banco Central (BC). A instituição já goza de autonomia operacional, que a blinda de interferências políticas na determinação da taxa básica de juros, a Selic. O Brasil se alinhou às melhores práticas. De fato, são autônomos todos os bancos centrais dos países ricos e de várias nações emergentes.
Se aprovada, a PEC 65 dotará também o BC de autonomia orçamentária e financeira, à semelhança do que se observa em bancos centrais mundo afora. Tem-se visto, todavia, oposição à medida. Teme-se, sem qualquer base, que o BC se torne uma instituição não submetida a controles do Estado. Seria uma espécie de privatização. Imagina-se, ainda, que a autonomia acarrete supersalários, como os que prevalecem no Judiciário e no Ministério Público. Longe disso, o orçamento do BC continuaria a depender de aprovação do Congresso, enquanto suas atividades estariam sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas da União. A instituição continuaria a ser parte integrante do setor público.
Pelo menos três fatores justificam a aprovação da PEC 65:
1 – a medida permitiria ao BC gerir seu próprio orçamento, subordinando-se, no entanto, aos freios e contrapesos típicos da democracia, como os acima mencionados. Não teria liberdade para gastar e conceder benefícios;
2 – asseguraria ao banco formular sua política de recursos humanos —novamente, sujeitando-se a controles do Estado—, o que proporcionaria a retenção de talentos de que necessita para bem conduzir as complexas tarefas de gestão da política monetária e de regulação do sistema financeiro. Servidores de excelente formação têm sido atraídos por salários mais altos no setor privado, o que pode acarretar perda de qualidade das relevantes funções do BC;
3 – O terceiro fator refere-se aos desafios tecnológicos e à necessidade de atualização permanente de métodos e processos, em resposta às transformações ditadas pela era digital e pela inteligência artificial. Nesse contexto está a questão da segurança cibernética. Há que evitar os efeitos negativos de ataques hackers que podem colocar em risco o funcionamento da economia, particularmente das atividades do mercado financeiro e das organizações do governo, o que afetaria a atividade econômica e o emprego.
O BC precisa, portanto, munir-se de meios para enfrentar essas e outras armadilhas disruptivas prejudiciais ao país. Daí a necessidade da autonomia para realizar os seus investimentos, especialmente os destinados ao avanço tecnológico. Já se tem notícia de adiamento de metas de expansão do Pix —um dos mais relevantes feitos institucionais e tecnológicos da instituição, que trouxe inequívocos benefícios à economia e à sociedade. Isso teria decorrido da ausência de margem orçamentária para realizar investimentos. O mesmo pode ocorrer com a implantação da moeda digital do BC, o Drex.
O orçamento do BC será financiado por suas receitas próprias, que costumam superar as despesas.
Assim, os investimentos não dependeriam, como hoje, de dotações do Orçamento da União. De certa forma, tratamento semelhante já foi concedido às despesas das universidades federais, realizadas com receitas próprias.
Há razões de sobra para justificar a aprovação da PEC 65.
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