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Os 30 anos do Plano Real | Gustavo Loyola: As reformas necessárias para o Brasil crescer – Exame

Confira a entrevista exclusiva realizada pela Exame com Gustavo Loyola, Diretor-Presidente da Tendências Consultoria e ex-Presidente do Banco Central, sobre o aniversário de 30 anos do Plano Real.

“A sociedade percebeu a vantagem de ter uma moeda estável e não ter o fantasma da inflação assustando famílias e empresas. Começou a custar caro para os políticos tomar medidas para não preservar o real e a baixa inflação” — Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e sócio da Tendências Consultoria

Início de tudo

Loyola explica que a crise hiperinflacionária brasileira tem várias origens. “Podemos traçar talvez seu início nos primeiros choques de petróleo, choques externos, e, a partir de então, o Brasil não conseguiu mais reduzir a inflação. Pelo contrário, a inflação foi subindo de maneira quase constante, exceto por episódios pontuais de planos econômicos.”

Ele ainda diz que a inflação foi adquirindo características cada vez mais inerciais e a economia brasileira foi, de alguma maneira, se adaptando a esse mundo inflacionário, de forma imperfeita, mas se adaptando.

“Neste período, houve várias crises internacionais que repercutiram sobre o Brasil. O Brasil tinha uma posição internacional muito frágil, então qualquer crise externa nos afetava bastante. Por exemplo, a crise da dívida de 1982: o Brasil tinha optado por um processo de crescimento com endividamento, e quando veio a debacle do México, e depois de todos os emergentes na crise da dívida, foi realmente um impacto muito grande sobre o Brasil.”

Loyola conta que também tínhamos o problema da dívida interna indexada em moeda estrangeira. As finanças dos estados estavam totalmente descontroladas, com bancos públicos estaduais praticamente sendo outros bancos centrais, porque acabavam sacando a descoberto nas reservas bancárias.

Havia também um descontrole fiscal muito forte. O Brasil vivia batendo às portas do FMI e renegociando seus compromissos porque não conseguia cumpri-los. Foi um período em que o país viveu de crise em crise, conhecido como a década perdida, mas talvez seja mais do que uma década.

No Banco Central, todas as crises refletiam sobre a instituição, principalmente nos planos econômicos. Lembrando que o Plano Real foi o último de vários planos que deram errado. Felizmente, o Plano Real deu certo, mas todos aqueles planos econômicos foram períodos de muita tensão para as empresas, o governo, e o Banco Central.

Os planos econômicos pré Plano Real

“Foram vários: primeiro foi o Plano Cruzado, na época do ex-presidente Sarney, com congelamento e tal. Sempre havia aquele otimismo inicial com o plano, mas ao longo do ano o plano foi fazendo água, em 1986. Tentou-se fazer um remendo no plano, mas não deu certo. Depois houve o Plano Bresser, também com mais ou menos as mesmas características, que deu errado. Ainda no governo Sarney, teve o Plano Verão, que também não deu resultado.”, explica Loyola.

“Em seguida, tivemos o Plano Collor, que foi muito traumático, pois houve congelamento de ativos financeiros e causou muitos contratempos para as famílias e empresas, e também também não deu resultado. Depois, teve o segundo Plano Collor, com uma tentativa de correção, que também deu errado.”

Em seguida, finalmente surgiu o Plano Real, que começou um ano antes com o lançamento da URV e trouxe, em 1994, a estabilidade monetária que o Brasil havia perdido há muitos anos.

Loyola aponta que era muito incerto, mas que é preciso salientar que a inflação atingiu os brasileiros de maneira muito desigual.

“Havia um grupo de brasileiros privilegiados pela condição econômica, que conseguiam se defender da inflação, pois havia, por exemplo, ativos financeiros indexados que geravam rendas maiores do que a inflação, como o overnight. Aqueles que conseguiam reajustar seus salários e rendimentos de acordo com a inflação tinham mecanismos para se defender.”

Havia um processo de comprar imediatamente após receber o salário, para evitar a alta dos preços. Loyola conta que isso teve repercussões até sobre a arquitetura, com apartamentos construídos com dependências maiores para armazenar gêneros, como dispensas, além do surgimento de grandes supermercados para compras por atacado.

Havia um processo de correção salarial, em que trabalhadores mais organizados conseguiam que as empresas reajustassem os salários em prazos mais curtos e pagassem semanalmente ou quinzenalmente. Então, foi uma situação muito desigual.

Loyola diz que, basicamente, o que o brasileiro fazia na época era fugir da moeda, que “queimava nas mãos”. A defesa contra a inflação era se livrar da moeda, aplicando no overnight ou comprando imediatamente.

Quando Fernando Henrique Cardoso assumiu o Ministério da Fazenda, conseguiu montar uma equipe econômica e, principalmente, ter o diálogo necessário com o ex-presidente Itamar para conduzir o Plano politicamente. Ele tinha também uma base política e soube organizar essa base do presidente para apoiar o Plano no Congresso. 

Loyola diz que os formuladores do Plano Real puderam conversar livremente com a sociedade, algo que ajudou muito o plano. 

A diferença do Plano Real para os outros planos

“O Plano Real tinha, entre outras, duas características que o diferenciavam bastante dos anteriores. A primeira é a ausência de congelamento de preços. Isso é uma diferença fundamental.”, explica Loyola.

“O segundo aspecto que acho fundamental foi a pouca intervenção do Plano sobre contratos privados, etc. O Real foi introduzido com o mínimo de turbulência do ponto de vista das relações contratuais preexistentes, diferente do que aconteceu nos outros planos, que tinham regras de conversão, regras de congelamento, regra disso, regra daquilo. Como o plano mudou a moeda, a partir do lançamento da URV, você poderia indexar os contratos à URV.”

Loyola ainda diz: “duas coisas: primeiro, o Real não teria tido sucesso se uma série de outras reformas não tivessem sido introduzidas anteriormente. A construção institucional de um país se dá por etapas, nada surge do nada, de repente. (…) O Brasil, em 1994, tinha uma economia muito mais aberta do que no final dos anos 80, quando houve os demais planos. (…) Várias lições foram aprendidas, o que ajudou bastante.”

“Outro aspecto importante, do ponto de vista político, é que, com o impeachment do Collor e a presidência do Itamar, acabou-se conseguindo formar uma certa base de apoio no Congresso. Houve uma certa aglutinação política que ajudou a fazer algumas mudanças importantes pré-Plano Real, principalmente na parte fiscal. Então, você conseguiu melhorar a situação fiscal graças a esse apoio.”

“É interessante observar que o Real, que foi introduzido em meados de 1994, logo depois sofreu o primeiro teste quando houve uma turbulência no México, acredito que foi em dezembro de 1994 ou início de 1995. Houve alguns analistas, poucos, que achavam que ali o Real ia começar a ter problemas.”

Loyola diz que foi um teste importante e o Plano saiu muito bem. Foi um processo que houve logo um teste. O segundo grande teste foi a crise da Ásia, que o Real também resistiu bastante. O terceiro momento importante foi exatamente na crise da Rússia, misturado com uma crise interna no Brasil, provocada principalmente pelo déficit de Minas Gerais.

Tudo isso foi muito importante, pois foi quando o Brasil adotou o regime de taxas flutuantes e, simultaneamente, o regime de metas para inflação. Foi mais um grande alicerce do Plano sendo plantado.

“Todo o esforço do PROER, o esforço de saneamento dos bancos estaduais, de saneamento das dívidas estaduais, de também saneamento dos bancos públicos federais, de privatização de bancos. Isso tudo foi um processo muito difícil, politicamente desgastante e pessoalmente desgastante também, mas que acho que foi fundamental para que o Plano adquirisse resiliência.”

Loyola diz que essa resiliência criada foi necessária para os passos posteriores, como a introdução do regime de câmbio flutuante e o regime de metas de inflação, entre outros.

“A sociedade percebeu a vantagem de ter uma moeda estável e não ter o fantasma da inflação assustando famílias e empresas. Começou a custar caro para os políticos tomar medidas para não preservar o real e a baixa inflação”

Pós Plano Real

Na transição entre Fernando Henrique e Lula, muitos temiam que o PT, crítico do plano, pudesse desmantelá-lo. No entanto, o presidente Lula manteve o plano e indicou Henrique Meirelles para o Banco Central, mantendo o regime de metas. Beneficiado também pelo aumento do preço das commodities e pela adoção de políticas como o Bolsa Família, o Brasil experimentou um crescimento econômico no início do governo Lula.

Loyola diz que é importante ver o Plano Real mais como um processo do que um evento. Vários momentos de reformas melhoraram o Real, e, hoje, o sistema financeiro brasileiro passa por uma verdadeira revolução digital.

Mudanças microeconômicas preservaram o Real, apesar da preocupação com o fiscal. Tanto bancos quanto governos se beneficiaram da inflação e a estabilização revelou um déficit estrutural.

Durante o governo Fernando Henrique, muitas reformas foram introduzidas, mas algumas, como a reforma da Previdência, não foram aprovadas. Se essa reforma tivesse sido realizada, a situação fiscal do Brasil estaria muito melhor hoje.

Loyola explica que a situação fiscal atual é complicada, pois a classe política ainda não reconhece que recursos públicos são finitos. A Lei de Responsabilidade Fiscal, da época do presidente Fernando Henrique, foi uma excelente medida, pioneira no mundo. Se tivesse sido seguida, a situação fiscal atual seria melhor. No entanto, interpretações e exceções surgiram, enfraquecendo a lei.

Legado do Plano Real

Loyola diz que o grande legado do Real é a moeda estável, permitindo aos brasileiros planejar o futuro, seja para famílias ou empresas, mas que é um legado que pode se perder se não houver cuidado, e o Banco Central desempenha um papel crucial nesse cuidado.

É essencial resolver a questão fiscal e mudar a dinâmica do gasto público, além de investir em educação, especialmente em um mundo que muda rapidamente.

Loyola finaliza dizendo que não podemos achar que o Real é uma árvore que, uma vez plantada, ficará para sempre. É preciso cuidar dela continuamente para acompanhar as transformações sociais, tecnológicas e culturais.

Confira a entrevista completa no vídeo abaixo!