Incentivos fiscais à Stellantis no Nordeste provocam disputa de lobbies no Congresso – Estadão
- Na Mídia
- 24/10/2023
- Tendências
Estudo da Tendências Consultoria aponta que benefícios reduzem repasses a Estados e municípios e que País ganharia mais se fossem destinados a projetos como o Bolsa Família
A expectativa de apresentação do relatório do texto da reforma tributária no Senado acelerou a entrega de emendas contra e a favor da prorrogação de incentivos fiscais, por mais sete anos, para montadoras e autopeças do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Há pelo menos seis emendas sobre o tema, algumas entregues nos últimos dias, sendo três favoráveis e três contrárias.
Vários executivos de fabricantes de veículos do Sul e Sudeste também intensificaram visitas à senadores e governadores na tentativa de convencê-los a vetar a continuidade do programa. O grupo é liderado por Volkswagen, General Motors, Toyota e Renault, mas conta com apoio de outras empresas das duas regiões.
Para elas, o incentivo (batizado de Bolsa Fiat, uma alusão ao Bolsa Família) distorce a concorrência no setor, pois favorece principalmente a fábrica da Jeep em Pernambuco, pertencente ao grupo Stellantis, também dono da Fiat, Peugeot e Citroën.
Só em 2022 e neste ano, a Stellantis recebeu cerca de R$ 10 bilhões, segundo um detalhado estudo recém concluído pela Tendências Consultoria e pelo FCR Law/Fleury, Coimbra & Rhomberg Advogados, que reforça alguns dados já apontados em relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) apresentado em abril.
Desde o início do programa, criado pela lei 9.440 de 1997 e alterado pela lei 9.826 em 1999, foram concedidos R$ 75 bilhões em crédito presumido de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para empresas automotivas (ver quadro abaixo).
Os incentivos deveriam terminar em 2025. Além da Stellantis – cuja fábrica foi inaugurada em 2015, após herdar o direito aos incentivos de uma indústria de autopeças adquirida em 2010 -, a prorrogação contemplaria a chinesa BYD, que comprou a antiga fábrica da Ford e, há duas semanas, iniciou obras de reforma para produzir veículos híbridos e elétricos. A empresa também faz coro pela extensão do programa.
Foi esse projeto, com investimento anunciado de R$ 3 bilhões, que levou o senador Otto Alencar (PSD-BA) a apresentar emendas à PEC 45, da reforma tributária, estendendo os incentivos até 2032 e e que os valores sejam reduzidos gradualmente todo ano. Na votação do Congresso ela foi rejeitada por um voto. Além desse, dois senadores do Mato Grosso (Mauro Carvalho, do União Brasil) e do Rio Grande do Norte (Zenaide Maia, do PSD) também apresentaram emendas a favor da manutenção dos benefícios.
Por outro lado, três senadores de São Paulo (Astronauta Paulo Pontes, do PL), Minas Gerais (Carlos Viana, do Podemos) e Distrito Federal (Izalci Lucas, do PSDB) apresentaram emendas contrárias à extensão do prazo para fabricantes que já usufruíram dos incentivos. Defendem, contudo, que novatas (especificamente a BYD) tenham direito ao benefício ou que ele seja válido para todas as montadoras que investirem em projetos de eletrificação até 2030. Sugerem ainda a redução anual de 20% dos valores do benefício inicial.
O estudo da Tendências, encomendado por uma das montadoras contrárias à extensão do prazo, avalia os custos e benefícios das políticas de isenção tributária para montadoras e autopeças do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com base em dados oficiais. No Norte, porém, não há empresas do setor.
No Centro-Oeste estão as plantas da Caoa-Chery e da HPE-Mitsubishi que foram incluídas no programa já num regime diferenciado e, por terem baixos volumes de produção, ficam com pequena parcela do montante. Também beneficia a Moura, fabricante de baterias também em Pernambuco.
Um dos dados mostra que a política de incentivos reduziu em R$ 43,9 bilhões a arrecadação federal e em R$ 25 bilhões os fundos constitucionais a Estados e municípios. “Os mais afetados por falta de repasses foram os Estados do Norte e Nordeste, normalmente os que têm PIB per capita mais baixos”, diz Thiago Xavier, economista da Tendências e um dos responsáveis pelo estudo.
Entre os exemplos estão o de Pernambuco, que só nos últimos cinco anos deixou de receber R$ 400 milhões do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e Piauí, que perdeu R$ 230 milhões. “É dinheiro que poderia ser usado em educação, saúde, infraestrutura e vai para uma empresa”, diz um executivo de uma das montadoras.
Com a chegada das fábricas nos Estados beneficiados, os principais ganhos, como emprego, renda e algum desenvolvimento econômico ficaram restritos às redondezas e cidades onde foram instaladas, e não houve abrangência para toda a região, acrescenta Xavier. Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), apresentado em abril, também teve conclusões similares.
Segundo Xavier, os retornos às regiões foram insignificantes comparados aos de outras políticas sociais, como o Bolsa Família, que tem penetração maior e beneficia pessoas de baixa renda de todo o País. “É um programa com efeitos de longo prazo e focaliza a educação de crianças”, ressalta.
O economista também faz um paralelo com o que ocorreu com a Ford na Bahia e no Ceará, que após cerca de 20 anos de incentivos fechou as duas fábricas e demitiu todos os trabalhadores, além de impactar as cadeias de fornecimento de peças e serviços criadas ao redor das duas plantas.
“Manter incentivos fiscais que beneficiam poucos players gera concorrência desleal” Adriano Barros, diretor de Relações Governamentais da GM
O grupo de montadoras contrárias ao incentivo também reclama do fato de a medida poder ser incluída no texto da reforma tributária. “Um dos principais pontos para o setor automotivo (na reforma tributária) é a busca por isonomia de mercado, a promoção da livre concorrência e, assim, potencializar os novos investimentos”, diz Adriano Barros, diretor de Relações Governamentais da GM. Para ele, “manter incentivos fiscais que beneficiam poucos players gera concorrência desleal. Adicionalmente, uma exceção tributária desse porte impactará no aumento da alíquota do imposto sobre valor agregado”.
Revisão de investimentos
O presidente da Stellantis na América do Sul, Antonio Filosa, diz que o grupo pode rever investimentos programados para a fábrica pernambucana caso o incentivo não seja prorrogado. A empresa concorda com a redução gradativa dos valores até 2032, mas avalia que a interrupção daqui a dois anos prejudicaria projetos em andamento.
Na semana passada, a companhia anunciou que, a partir de 2024, vai iniciar em Goiana (PE) a produção dos seus primeiros veículos com tecnologias que associam eletrificação com motor flex e a etanol, além dos 100% elétricos desenvolvidos e produzidos no Brasil.
Do outro lado, as montadoras do Sul e do Sudeste também afirmam que poderão reavaliar projetos caso a medida seja prorrogada, por considerarem que os incentivos geram concorrência desleal no setor.
Filosa também se baseia em dados de um estudo feito no ano passado pela Consultoria Econômica e Planejamento (Ceplan), a pedido da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe), mostrando que a chegada da montadora ao Estado gerou empregos de qualidade, atração de fornecedores de autopeças, melhora da renda, da redução da criminalidade e do nível de abandono do ensino primário e secundário.
Além disso, a maior parte das autopeças que adquire atualmente vem de fabricantes do Sul e Sudeste, também beneficiando essas regiões. Segundo o executivo, por sua localização, a fábrica “tem enorme desvantagem competitiva em relação a infraestrutura, logística de chegada de componentes e entrega de carros para outras regiões e também em formação de mão de obra”.
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